C142 QUINTA-FEIRA, 11 DE JANEIRO DE 2001
Piscina Exterior do Palácio de Heasrt - Fotografia de Rui Gonçalves

Foi há um ano que tudo começou. A esta hora estava dentro de um Boeing 747-400 a caminho da terra prometida, do sol e das mulheres bonitas. Sobrevoava a Gronelândia ou o Canadá e tentava dormir, para que o tempo passasse mais depressa, dentro daquela máquina infernal e cheia de gente. Deixava Portugal, a mulher, a família e amigos à espera que esta aventura me trouxesse melhores dias.

Chegaria ao aeroporto de SFO cerca das duas da manhã em Portugal, seis da tarde na costa oeste dos Estados Unidos. Não encontrei o sol, nem as mulheres bonitas...

Mas, isso não é o importante agora. Agora, o importante é escrever mais uma das minhas crónicas ou chego à comemoração do primeiro ano sobre o meu retorno e ainda ando a contar as histórias das minhas aventuras em terras da Califórnia.

Domingo, 6 de Agosto de 2000

Como ainda se devem lembrar, eu andava de férias com a Cláudia. Partimos há um dia e mais umas horitas, num Kia Sportage - o nosso jipaço.

Estávamos em Big Sur na costa do pacífico a sul de Carmel-By-The-Sea, junto à estrada panorâmica número um, num parque de campismo sem acesso automóvel.

Como o acesso tinha de ser feito a pé, os americanos não eram muitos. Aliás, as primeiras vozes da manhã falavam espanhol. Uns putos andavam ali à volta da tenda, gritavam e parecia que andavam a jogar futebol. Mas, depressa as vozes diversificaram e de repente ouviam-se mulheres e homens na conversa. Todos falavam espanhol.

Eram mexicanos, obviamente.

Como é normal nos Estados Unidos, nunca se olha onde se monta a tenda. A verdade é que como estão habituados a não ter persianas em casa, e por isso a acordar com a luz da manhã muito cedo, não têm necessidade de pensar onde fica a sombra de modo a não apanhar com o sol da manhã e assarem na tenda. Mas, nós portugueses dorminhocos, temos esse cuidado.

No noite anterior tive o cuidado de saber onde iria nascer o sol (através da ursa maior - se quiserem depois eu ensino-vos) e portanto montámos a tenda no sítio que estaria à sombra pela manhã. Por sinal e surpreendentemente não estava nenhuma tenda nas redondezas.

Mas, de manhã a família de mexicanos resolveu que havia de tomar o pequeno-almoço à sombra e arrastou a mesa para junto da nossa tenda. E, como quando se fala em famílias mexicanas se fala num autocarro de dois andares cheio de gente, a barulheira era demais para quem gostaria de dormir mais um bocado.

A verdade é que estávamos de férias e podíamo-nos dar ao luxo de estar mais um bocado na sorna. Mas, por outro lado, sair cedo também era uma boa ideia, pois quanto mais víssemos nas férias melhor.

Fizemos o pequeno-almoço, enquanto gozávamos com a maneira de ser e estar daquela família de mexicanos. A primeira de muitas com quem iríamos deparar nas nossas férias, pois andámos quase sempre a acampar e num parque de campismo é fácil de ver onde estão os mexicanos. São aqueles que estão a cantar, a comer e beber o dia todo amontoados, numa meia dúzia de tendas no mesmo alvéolo, embora as normas do parque digam que é proibido mais que três tendas e quinze pessoas.

Casa de banho não havia no parque. Apenas uns cubículos com um buraco no chão e uma chaminé para que os gases nocivos, criados nestes ambientes hostis, possam dispersar para a atmosfera. Então, depois de arrumar tudo no jipaço, resolvemos ir dar um mergulho no rio Big Sur, como vimos alguém fazer.

A água estava gelada mas, nada que não fosse suportável. Aliás a corrente tornava a coisa mais fácil de suportar e por outro lado o que tornava a coisa mais fresca era a brisa marítima, pelo que dentro de água nem se estava muito mal.

O tempo passava devagar.

O jipaço estava a precisar de gasolina e como não sabia o que me esperava nas próximas milhas, enchi o depósito ali mesmo em Big Sur. O tipo sabia bem o que estava a fazer e sabia que ali perto não haviam muitas bombas. Por isso, paguei a gasolina a $2.49 o galão (150$00 o litro, sensivelmente), quase um dólar acima do que pagava perto de casa. Nunca paguei a gasolina tão cara nos Estados Unidos, nem em Beverly Hills.

Pusemo-nos a caminho para sul. Seguimos a número um, parando aqui e ali para ver uns leões marinhos, umas aves de rapina ou porque existia um miradouro e queríamos aproveitar para ver a costa. E, nessas paragens decidimos parar no Parque Estatal de Julia Pfeiffer Burns para podermos ir à casa-de-banho.

Surpreendentemente, nos Estados Unidos dos locais turísticos super-assinalados, aquele tinha uma pequena placa na estrada e surpreendentemente, era o local mais conhecido dos postais de toda aquela costa. Era o parque onde existia uma das mais bonitas paisagens de praia que já vi. Aquilo a que alguém amigo chamou de "A Mijinha".

Imaginem uma praia de águas azuis e verde claro transparentes e onde há uma queda de água. Paradisíaco. Mas, como é normal nos Estados Unidos, inacessível. Sim! Aquela praia era um paraíso proibido. Não se podia descer à praia e apenas podia-se apreciar a beleza do local a partir de uma varanda lateral, onde os sinais de proibido transpor a cerca, eram uma constante. Depois mando-vos uma foto das Mckay waterfalls.

Parámos depois numa terra assinalada no mapa como Gorda. Mas, de povoação não tinha nada a não ser um restaurante e uma loja de recordações... E, uma máquina de café, que era o que ansiávamos ver por ali.

Na loja de recordações, onde estava a máquina de café, fomos atendidos por um negro todo vestido de branco e de cartola alta branca. Uma personagem única e tenho pena de não ter tido a coragem de lhe pedir para tirar umas fotografias, porque parecia o Cristo de Cartola de Freixo de Espada-à-Cinta, mas negro. E, como se não chegasse ser assim atravessado, tinha de ser de Nova Iorque. O sotaque era carregadíssimo e a Cláudia ficou devera impressionada com a personagem e como era fácil destinguir sotaques para quem tinha acabado de chegar.

Mas, para assinalarem aquele lugar no mapa é porque haveriam poucos locais povoados nas imediações. Ali a densidade populacional é tão baixa fora das cidades que desconfio que há zonas onde as roullotes que se vêm no deserto e onde vivem pessoas estão assinaladas no mapa local como povoações.

Depois de comprado o café, começamos a perceber os comodismos americanos dentro dos seus carros. O porta-copos é excelente para quem vai a conduzir e a beber um café e o ar-condicionado... A segunda maravilha depois do motor do carro, como iríamos ver no deserto.

Mais a sul fomos obrigados a encostar pela polícia, junto a um parque de estacionamento, com vista sobre o pacífico e com painéis interpretativos. Não sei porque é que fomos convidados a encostar mas, já que ali estávamos víamos o que havia para ver. Eu suponho que a polícia estava a mandar sair da estrada porque haviam obras e estava-se a criar uma fila de automóveis enorme. E, ali naquele parque o pessoal até que se distraía um bocado.

Estavam na praia, a cerca de cem metros do parque de estacionamento, uma família de elefantes marinhos. E, que elefantes... É impressionante ver aqueles animais que têm cerca de 5 metros de comprimento e que pesam algo como uma tonelada, a lutarem uns com os outros. O porte deles é qualquer coisa de aterrador e as presas metem respeito a qualquer elefante terrestre. Estou a exagerar um bocado mas, para quem lia aqueles painéis explicativos era uma das ideias com que ficava. A praia estava cercada por uma cerca e o mais próximo que se podia chegar dos bichos era cerca de cinquenta metros... Ainda bem, porque se eles se lembravam de vir para cima de nós.

A estrada já estava aberta e podíamos seguir caminho. Seguimos até San Simeon, onde nos esperava o Castelo do Hearst, o tipo onde o Orson Wells se inspirou para fazer o filme "Citizen Kane", em português "Um Mundo a seus pés", se não me engano.

Agora sim e como é normal nos Estados Unidos, havia um grande centro de recepção com museu, filmes e demais artigos de recordação do sítio e que faziam as delícias de qualquer carteira bem recheada. Nós decidimos fazer uma das quatro visitas possíveis à mansão do senhor, chamada de castelo pelos seus amigos e familiares.

A casa era tão grande, que haviam quatro visitas possíveis à mansão e em cada uma mostrava-se apenas uma parte da casa. Acho que haviam partes comuns nas visitas, como as piscinas, mas não posso garantir.

Pagámos o bilhete e meteram-nos nuns autocarros do tempo da segunda guerra mundial e fomos levados até à mansão. Esta ficava a cerca de cinco quilómetros do centro de recepção, no cimo de um monte dourado devido às ervas secas pelo sol e cuja estrada de acesso serpenteava, enquanto o trepava.

Entrámos pela piscina ao ar livre. Um sonho. Qualquer coisa que é impensável por um comum mortal como eu. Tinha cerca de cinquenta metros de lado a lado, e era mais funda de um lado que do outro mas, o desenho do fundo estava feito de tal maneira que não se notava. À volta, uma série de estátuas semelhantes àquelas que se associam ao império romano e uns repuxos de água que saindo de algumas se depositavam nas águas azuis da piscina. A meio da piscina uma estátua monumental como se de uma fonte romana se tratasse. E, ainda umas estruturas semelhantes ao Templo de Diana em Évora nas pontas da piscina.

Pelos vistos o Sr. Haerst gostava de nadar e para além desta ainda havia outra piscina coberta dentro da casa... Mas, já lá vamos.

Em seguida passámos a uma das áreas de aposentos dos convidados, que aparentemente eram quatro. A que vimos era de inspiração mediterrânica, assim um estilo italo-espanhol. Entrava-se por um lado e seguindo um percurso interno sai-se já próximo da casa principal. O tipo também gostava de receber pessoas em casa dela mas, era muito exigente com os convidados. Haviam horas certas para jantar e fora delas não se comia, por isso não haviam cozinhas nos aposentos dos convidados. Além disso e, apesar de haver muita dormida, só convidava meia dúzia de pessoas de cada vez. Uma presença normal era o Charlie Chaplin mas haviam outros...

Passámos pela esplanada italiana e pelos deuses egípcios que decoravam o jardim e que eram a peça de arte mais antiga da casa e entrámos na casa principal. De inspiração numa igreja espanhola, era uma coisa descomunal. Impressionante. Indiscritível. Só na América.

Eu não vos vou maçar com descrições pormenorizadas mas, deixo-vos algumas ideias. O tecto da sala de estar era decorada com painéis de madeira trabalhados e as paredes com cadeiras de coro de mosteiros e igrejas europeias. Aquelas cadeiras em que os monges se sentam quando cantam. A sala de jantar também as tinha.

A lareira da sala de estar era da minha altura e a mesa da sala de estar devia de ter mais de dez metros. Tudo, mas tudo, naquela casa era comprado na Europa, África ou no Oriente. Tapetes, candeeiros e até mantas nas paredes tinham mais anos que os Estados Unidos têm de história. Impressionante como muita da história europeia está ali em exposição. Aliás essa foi uma das nossas dúvidas - Como é que ele tinha comprado aquilo tudo? Era roubado?. Disseram-nos que a maioria das coisas provieram de remodelações de igrejas. O que é normal. Nós não dávamos valor àquilo e ele sim.

Por fim fomos ver um filme sobre a casa em que mostrava como eram os dias com as visitas e com o Sr. Haerst. E, por fim a piscina coberta. Outro sonho!!! Toda em ladrilho azul e dourado. Com candeeiros em todos os lados... Não consigo descrever!!! Só visto...

Voltámos na mesma camioneta da segunda guerra mundial pela estrada sinuosa e que em tempos foi povoada por animais das mais diferentes proveniências e em que os condutores/visitas eram obrigadas a parar para lhes dar prioridade. O homem era um doido...

Fomos até San Luis Obispo. Pelo caminho fomos sobrevoados por aviões anti-incêndio que iam buscar água ao oceano para tentar apagar os fogos que vocês já conhecem e que na altura assolavam toda a costa oeste dos Estados Unidos.

Em San Luis Obispo, decidimos parar para jantar, levantar dinheiro e calmamente decidir onde dormir.

Jantámos no restaurante Imperial China cujo dono coleccionava fotos e autógrafos de pessoas importantes. Mas, isso não lhe valia de muito, pois foi sem dúvida a pior comida chinesa que já vi e que já comi. É impressionante como se consegue fazer um MacDonalds de comida chinesa. Nunca vi um serviço tão rápido... Não admira, era tudo já preparado e só passar por microondas. Uma pasta tipo hamburguer a fazer de conta que era comida chinesa. Que coisa horrorosa... Se forem a San Luis Obispo nunca vão ao Imperial China.

Mas, deu para decidir onde haviamos de ir dormir. Seguimos para sul, para ganhar algum tempo e fomos dormir a um parque de campismo na Floresta Nacional de Los Padres, junto ao Lago de Cachuma, quase em Santa Barbara.

Chegámos tarde, como era normal. Era quase meia noite, mas ainda estava aberto.

Montámos a tenda e começámos a olhar à volta e éramos os únicos que não tínhamos uma fogueira. Ali até que estava fresco, perto da água do lago. Fomos à casa de banho e vimos umas tábuas abandonadas. Já podíamos fazer uma fogueira.

As tábuas eram enormes mas, para arder serviam bem... Ficámos ali a namorar, a ouvir os patos e a água que ficava ali perto. Não haviam tendas no raio de alguns metros.

Estávamos felizes por estarmos juntos e já cheirava a férias, longe da civilização.

Era difícil dizer o que nos tinha ficado mais marcado na memória... Mas, tudo o que escrevi aqui ficou bastante marcado.



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