C26 DOMINGO, 13 DE FEVEREIRO DE 2000
São Francisco à Chuva - Fotografia de Rui Gonçalves

Sexta-feira, 11 de Fevereiro de 2000

Se há alturas de azar ou em que parece que nos acontece tudo aquilo que desejávamos que não nos acontecesse em dados momentos, não sei, mas que sexta de manhã a sorte não esteve comigo, é verdade.

Acordei mais cedo porque tinha uma formação no escritório, sobre o VisConcept, com uns clientes japoneses, que começava às 9h da manhã. A manhã estava cinzenta, mas como não chovia e quando tem chovido por aqui, há sempre umas abertas que me permitem ir de casa ao escritório e deste para casa, arrisquei e montei na Vaynessa para fazer os 7 km que separam a minha casa do escritório.

Depois de dez minutos a subir, começou a chover. Como um verdadeiro BTTista, não trazia impermeável, e abriguei-me, à espera que o diluvio passa-se, debaixo de uma árvore. Ao fim de cinco minutos, a coisa acalmou, mas não deu ar de parar, pelo que tive que tomar uma decisão rápida. Voltei a casa e peguei nas trouxas para o fim de semana e fui apanhar o autocarro.

Perdi o 30 das 9h04m, que era o que para mesmo à porta do escritório. O próximo só às 10h04m. Decidi apanhar o 20 até Mill Valley e daí o 10 até Manzanita Parking Lot, onde fica o escritório. Cheguei às 10h20m... quase três horas depois de me levantar e duas depois da minha primeira tentativa de chegar intacto ao escritório. Cheguei algo molhado, mas de certeza melhor que se tivesse ido de bicicleta. E ainda cheguei a tempo de se falar de tradutores e novas funcionalidades, que eu devo vir a implementar, se sobreviver ao primeiro trabalho, diz o Ken. E claro, a tempo da demonstração em três pipes gigantescos.

No 10, a caminho de Manzanita, viajava comigo um tipo que usava um género de mota eléctrica para se deslocar. Os autocarros aqui estão todos equipados com mecanismos de embarque e desembarque de deficientes, e então é normal ver muitos deficientes motores e outros seres que não se conseguem mover pelos seus meios em autocarros. Mas o tipo, que parecia o George Bush, mas com mais uma centena de quilos, estava rosado como um pimento e usava um belo anel no mindinho da mão esquerda à líder da mafia, e disse-me como é possível meter um saco cama num saco tão pequeno. Isto porque eu levava o saco com o saco cama na mão, uma vez que ia passar o fim-de-semana a SF. Daí nasceu uma conversa, entre mim, o George-Pesado-Tomate-Mafioso-Bush e um bêbado que também ali vinha. Pelos vistos também deve haver um mecanismo qualquer para bêbados nos autocarros, porque esses também se vêem lá muito. O bêbado, que dizia que fazia muita montanha e que tinha pago $250 (50 contos) pelo seu saco cama, cheirava tão bem que me deu saudades do tempo em que dormia no mesmo quarto com o alemão, na pousada da juventude. Além disso tinha cara de quem não gastava em lâminas de barbear para lhe dar no whiskie, e roupa só a que lhe davam no centro de beneficência, pelo que não me admira nada que gastasse tanto num saco cama... Não acham. Mas pronto, a melhor do bêbado barbudo e mal cheiroso, foi quando disse que lhe dessem a Pamela Anderson e ele subia qualquer montanha... Eu desconfio que quem subia qualquer parede era a Pamela se o visse à frente.

O George Tomate Motorizado andava a estudar para ser vendedor de casas, vejam lá vocês... Se calhar só podia era mostrar ou vender casas com rampas de acesso. Ele usava a motoreta, mas tinha ar de quem podia andar... Talvez com dificuldade, mas devia conseguir. Aparentemente foi atropelado por um camião, quando andava a estudar medicina, mas tive que sair do autocarro antes de saber mais pormenores.

A formação seguiu o normal até à hora do almoço quando o Ken me pergunta se os queria acompanhar no almoço, que eles iam a um restaurante Mexicano muito bom em Tiburon, do outro lado da baía de Richardson, em que umas das margens ficam os escritórios. Eu como este mês ando mal de finanças, e ando a ver se a empresa me ajuda com alguma coisa durante o estágio, perguntei-lhe se eu conseguiria pagar o meu almoço. Uma coisa que eu gosto nos americanos e que às vezes parece má criação é a sua frontalidade, e já estou a aprender alguma coisa com eles nesse campo. Aqui não há grandes rodeios. A resposta do Ken, foi de que o almoço era pago, pelo que a minha resposta foi... Claro, que vou!!!

Como éramos seis e para não haver confusões, fomos todos no mesmo carro. Uma verdadeira banheira americana com três lugares à frente... improvisados, mas legais, porque haviam seis cintos no carro... Também não há caixa de velocidades, por isso, pode-se pôr um lugar a mais.

O dia estava chuvoso como já disse, mas mesmo assim ainda se via SF ao longe do restaurante, que ficava mesmo no cais do ferry. Em frente fica Angel Island e Alcatraz logo por detrás. O restaurante fica sobre as águas da baía e Tiburon é uma vila (?) muito engraçada, com casas sobre barcos e casas pelo monte acima. Uma visita a repetir, com tempo melhor e com a minha querida esposa.

O almoço foi social e de negócios, mas engraçado. Comi um pato com molho de pevides de abóbora... Estava delicioso e demorei dois dias a fazer a digestão, mas caiu que nem ginga. Aproveitei para mostrar que sabia algum espanhol, mas pouco, para não me sair muito mal.

De volta ao escritório no seismobil e de volta à formação. No fim da formação ainda recebi uma boneca japonesa em gesso de uma geisha, do japonga e da japonga que estavam a ter formação comigo... Que vos posso descrever como sendo japoneses. Tens os olhos em bico, a cara redonda e falam pouco e mal inglês, o que valia é que estava lá um americano que parecia falar bem japonês... Mas não posso garantir.

Depois veio o normal lanche das sextas-feiras, mas eu ainda estava a digerir o meio pato que comi ao almoço, pelo que só bebi dois copitos de vinhos Beringer e comi uma fatia de bolo.

Agarrei na minha mochila, saco-cama e saco com o portátil e fui para a cidade. Cheguei às 19h, sem grandes percalços, pois já chegavam os da manhã.

O Jorge era o único que estava em casa, porque a Patrícia tinha ido à sauna. No entretanto chegou o João, que é primo da Ticha, a nossa amiga mulher do Pipa, e estivemos a falar das entrevistas que ele e o Jorge têm ido para arranjar um sitio para estagiar. Eles têm a sorte de não passar pelo que nós passámos no início, mas também ainda não sabem bem para onde vão. Bem, o Jorge já sabe, mas o João não foi aceite na Cisco... Os tipos acho que exigiram muitas qualificações.

O Diogo, a Rita e a Mónica chegaram com umas pizzas e o André apareceu mais tarde, já depois do Tiago, a Joana e o Nuno terem chegado.

A maior parte saiu para beber um copo, mas eu fiquei porque estava cansado e queria acabar o trabalho para o ICEP, para que tivesse mais tempo disponível no dia seguinte para dar umas voltas. Mas, acabei por me pôr na conversa, com a Rita, a Mónica e a Patrícia sobre viver em casa dos pais, fora da casa dos pais, sozinho ou em conjunto com amigos ou pessoas que julgamos serem amigos. Eu como um experiente na matéria, pelo menos ali naquele mini-universo, poderia dar algumas ajudas para que ninguém se chateasse com ninguém... Mas a conversa seguiu sem rumo, até aparecer a Joana e o Nuno, que desistiram da saída quando os outros decidiram ir para o Ten 15, outra vez.

Fomos todos dormir. Mas por volta das 4h da manhã chegaram os da discoteca, algo alegres e barulhentos.

Fez um mês que estou em San Francisco.



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